As mudanças climáticas esgotarão nossas cadeias de suprimento?

Riscos e resiliênciaArtigo26 de abril de 2021

Existe a preocupação de que secas possam fazer com que alguns dos rios mais importantes do mundo se tornem inavegáveis, levando à perda de rotas vitais de transporte continental. Deveríamos nos preocupar? E como deveríamos reagir?

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O Reno não é somente um dos mais longos rios da Europa, mas também é um de seus canais de transporte mais importantes. Saindo de sua nascente na Suíça, ele cruza por mais de 1.200 km através de algumas das zonas industriais mais importantes do continente antes de desembocar no Mar do Norte em Rotterdam. É uma rota continental vital para o transporte de produtos químicos, produtos petrolíferos, minérios de ferro e outras matérias-primas industriais.

Mas ele está sob ameaça. No final de 2018, após um dos mais longos períodos de seca já registrados, partes do Reno estavam em níveis recorde de escassez por meses. Isso tornou o rio inavegável para grandes barcaças de carga, causando uma queda de 27% no transporte no Reno com relação ao ano anterior, no terceiro trimestre de 2018.

Isso teve grande impacto em todas as indústrias que utilizavam o rio para fins de transporte. Muitos recorreram a alternativas rodoviárias e ferroviárias ou barcaças menores. Mas, por fim, essas ações não foram suficientes.

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A Suíça, por exemplo, precisou liberar diesel e gasolina de suas reservas estratégicas devido a interrupções no fornecimento. Enquanto isso, a gigante química alemã BASF precisou interromper a produção devido à escassez de matéria-prima, o que reduziu os lucros de 2018 em cerca de €250 milhões. No total, estima-se que a queda no tráfego do Reno causou uma perda de €5 bilhões na produção industrial alemã no segundo semestre de 2018.

Prevê-se que a frequência, a duração e a gravidade das secas aumentem na maior parte da Europa neste século, por isso é possível que vejamos mais perturbações no Reno. A mudança climática também pode impactar negativamente o comércio em outras vias aquáticas continentais em todo o mundo, devendo chegar a US$2.250 bilhões até 2024.

Um dos mais importantes trechos de água continentais – o Canal de Panamá – já está sofrendo com a seca. Em fevereiro de 2020, os operadores do canal foram forçados a adotar novas medidas de economia de água a fim de sustentar um nível operacional de água nos 80km do canal, que transporta cerca de 270 bilhões de dólares em carga todos os anos entre os oceanos Pacífico e Atlântico.

Isso ocorreu em consequência das chuvas de 2019, que foram 20% abaixo da média histórica da região do canal. Foram vários anos de chuvas abaixo da média, juntamente com um aumento de 10% nos níveis de evaporação da água devido a um aumento de 0,5-1,5°C na temperatura. Isso levou ao recorde de baixos níveis no Lago Gatún, a principal fonte de água que permite que o canal funcione durante as estações secas.

O Blues do Rio Mississippi

O Rio Mississipi nos EUA também sofreu perturbações devido à seca na última década. Em junho de 2012, os níveis de água em trechos mais baixos do rio de 3.730km caíram tanto que barcaças totalmente carregadas corriam o risco de encalhar. A capacidade média das barcaças caiu para em torno de 300 toneladas – uma perda de mais de 7 mil toneladas por reboque de 24 barcaças - e levou a uma enxurrada de dragagens de emergência pelo Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA.

Não é somente a diminuição das chuvas que causa preocupação. A corrente do Reno, por exemplo, é fortemente influenciada por reservas de água de longo prazo nos Alpes. A neve e as geleiras derretidas suprem o rio e são particularmente importantes nos meses mais secos do verão. Mas a mudança climática ameaça diminuir esses reservatórios naturais à medida que o derretimento do verão reduz a formação de gelo do inverno.

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De acordo com uma pesquisa liderada pela ETH Zurich, metade do volume das 3.500 geleiras dos Alpes serão perdidas até 2050 devido ao aquecimento global já causado por emissões anteriores. Depois disso, mesmo que as emissões de carbono caiam para quase zero, dois terços das geleiras ainda terão derretido até 2100 – isso terá um grande impacto na disponibilidade d’água no futuro.

“Muita água também pode ser um problema” acrescenta Amar Rahman, Líder Global dos Serviços de Resiliência às Mudanças Climáticas do Zurich Insurance Group. “Eu vi o Reno subir a níveis onde não há espaço suficiente sob as pontes para as barcaças passarem. Em outros rios, enchentes e condições meteorológicas severas podem fazer com que as barcaças se soltem das amarras e tornar a navegação perigosa.”

Água: Um canal de transporte amigável ao planeta

Se as vias aquáticas continentais forem interrompidas isso agravará a mudança climática, já que o frete marítimo é mais favorável ao ambiente do que alternativas rodoviárias ou ferroviárias.

De acordo com a American Waterways Operators, uma barcaça terrestre consegue carregar 27.500 barris (bbl) de carga líquida, o equivalente a 46 vagões ou 144 caminhões-tanque na estrada. Isso significa que uma barcaça terrestre média emite 15,6g de dióxido de carbono (CO2) por tonelada-milha comparado as 21,2g para frete ferroviário e às 154,1g para frete rodoviário – quase 10 vezes mais.

O Canal do Panamá também contribui grandemente. Ao oferecer uma rota mais curta para os navios, ele reduziu as emissões de CO2 para o equivalente a 13 milhões de toneladas em 2020. Isso é o equivalente a 2,8 milhões de veículos de passageiro dirigidos por um ano.

 

Isso ocorreu no Rio Yangtzé, de 6.300km, que conecta Xangai com as cidades do interior da China. O rio inundou no verão de 2020, quando fortes chuvas aumentaram os níveis de água e fizeram com que partes do rio se tornassem impossíveis de navegar, o que atrasou o fornecimento global de equipamentos vitais de proteção individual.

“Devido à mudança climática, provavelmente veremos mais flutuações nos níveis de água e eventos climáticos severos impactando nossos rios. Isso irá, inevitávelmente, causar mais perturbações nas cadeias de suprimento dependentes de vias aquáticas continentais”, acrescenta Rahman.

Resiliência sobre eficiência

Então como nós podemos minimizar a potencial perturbação dessas cadeias de suprimento?

Uma resposta óbvia seria projetar barcaças e navios novos e mais planos que possam operar em níveis mais baixos de água, ou desenvolver eclusas e represas mais sofisticadas para garantis níveis mínimos de água.

Mas as indústrias que dependem dessas vias aquáticas continentais também precisarão se preparar melhor para potenciais imprevistos. Isso pode incluir, por exemplo, investir em previsões de longo prazo que providenciem alertas precoces sobre as flutuações dos níveis de água.

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“A mudança climática não é o único problema. Cadeias de suprimento foram otimizadas para eficiência em vez de resiliência, o que as torna mais vulneráveis caso os níveis dos rios caiam”, diz Björn Hartong, Líder da Prática de Engenharia de Risco Global para Marina e Segurança da Zurich.

Não são apenas as vias aquáticas continentais que correm risco com as mudanças no clima, diz Hartong. Ele vê ocorrendo com maior frequência extremos de temperatura interrompendo linhas ferroviárias, incêndios florestais fechando aeroportos e inundações danificando ligações rodoviárias importantes.

“As empresas precisam avaliar a exposição de suas cadeias de suprimento à riscos climáticos físicos e, em seguida, adaptar e fortificar as áreas que são vulneráveis. Por exemplo, investir na manutenção de mais estoque de segurança no caso de parte da cadeia de suprimento ser interrompida por mau tempo. Existe um custo envolvido e a possibilidade de perda de eficiência, porém será um investimento na garantia e, em última instância, na satisfação do cliente”, acrescenta Hartong.

Mas lembrem-se, rios não são somente vias de transporte. Eles também fornecem irrigação para agricultores e água para produção industrial e resfriamento, eles são capazes de gerar energia limpa e são o ecossistema vital para peixes e outras espécies da fauna aquática, além de fornecer água para o uso humano.

Sim, nossas cadeias de suprimento precisarão se adaptar às futuras mudanças nessas vias aquáticas. Mas vamos também mitigar essas mudanças cuidando de nossos rios e nosso planeta.